NEBLINA

O SER E O ESPELHO DO SER.

A Casa de Tijolo é um espaço hibrido que mistura ateliê experimental, espaço de encontro e exposições. Há cerca de4 anos, a casa oferece encontros de retrato, onde os artistas podem se dedicar ao exercício de observação dos aspectos físicos e investigação da personalidade do retratado. Nesse contexto, a casa ganha feições de oficina em que não há exigência de formalidades, mas de experimentações. Onde se estimula a criação artística e trocas de saberes.

Nos encontros, o modelo é qualquer pessoa que se dispõe à posar e ser retratado. Pode ser um amigo, um morador local e até mesmo um dos artistas que frequentam e a Casa de Tijolo. Quem posa, se dispõe à participar dos encontros, vivenciar conversas, relatar histórias, memórias, experiências de vida.

 
A construção do retrato é perceptiva, que se constrói e se soma em camadas que se desenvolve em envolvimento. A proposta pode ter uma duração infinita, que se modela junto ao tempo de ambos os polos – retratado e retratam-te. Os retratos são na verdade a ponte entre o olhar, o tempo, a técnica e a materialidade entre ambos.

Desse exercício, o que se apresenta é o resquício da temporalidade dos encontros, da construção perceptiva dos artistas e da imagem/figura do retratado. Cada retrato é assim, o resíduo dessa experiência, do tempo do encontro e envolvimento. As obras são resultantes do tempo posado, do momento único vivido por cada um presente.

A partir dessa relação, a exposição “O Ser e o Espelho do Ser” referencia-se à teoria da Fenomenologia da Percepção de Merleau-Ponty. A fenomenologia da percepção desenvolve-se em torno da noção de existência, como diz Merleau-Ponty nesse ensaio, é através do olhar que primeiro interrogamos as coisas, e devemos compreender o corpo, de forma geral, como um sistema voltado para a inspeção do mundo. Os olhos, são mais do que receptores sensoriais, é uma ferramenta sensível de compreensão do mundo físico.

 
Essa investigação do Ser, através da análise da experiência do corpo próprio, prossegue com uma revisão mais radical das categorias da metafísica clássica, mantendo as temáticas do corpo e da sensibilidade no centro da investigação.

A pintura privilegia-se dessa reflexão, que se resulta em linguagem estética, de expressão reflexiva do próprio corpo, comunicação com o mundo através do olhar e da sensibilidade. Dualidade essencial para a percepção da realidade defendida por Merleau-Ponty, revendo as noções de percepção de mundo, de corpo próprio, de sujeito e de relação com o outro, em uma ligação de troca em que se desintegram os limites do corpo e alma. Há uma relação de entre o que olha e o que é olhado, entre o vidente e o visível, um entrelaçamento, que o artista restitui em “traços da mão”.

Sob o valor da experiência individual, do corpo presente que vivência o olhar, somados aos encontros, essa mostra exalta também o valor do processo. A Casa de Tijolo, como ambiente hibrido, permite a experiência concreta da percepção construtiva e do desenvolvimento poético de cada um. “O Ser e o Espelho do Ser” é uma mostra dos vestígios dos encontros e da cumplicidade com o retratado. Aproximando a arte, vida e transcurso de forma mútua, posicionando o artista e seu modelo em uma inter-relação do Ser, que gera infinitas visões e sentidos, como um jogo de espelhos.